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OLHAR DE XISTO

Um olhar terno mas atento e preocupado de um filho de Tabuaço sobre a vida nesta terra e de todos os que aqui vivem, de todos os presentes e os ausentes que, mesmo à distância, a amam.

terça-feira, julho 29, 2008

Santuário Azul

(Pintura de Dad)
Todos os tempos têm os seus sinais. Os deste tempo, os do nosso tempo, são estes que todos vêem e ninguém engrandece. Eu também não.


Santuário azul

Arco-íris ameaçado
Ilusão
Civilizadamente morta
Holocausto
Prestes a florir
Loucura e mito
Medos ancestrais
Sentidos apertados
Fomes insaciadas
Horas de supor
Braços de morte
Sinais dos tempos
Esquizofrénicos

O próximo encantamento
Não tarda a emergir das cinzas
Águas amnióticas
Destes conturbados tempos
De vidas ceifadas por métodos
Antinaturais
Sinais dos tempos
Sinais intemporais
Sinais de tempos bestiais
Sinais
Sinais
Sinais

( André Moa)


quinta-feira, julho 24, 2008

O NOSSO TORRÃO NATAL




O nosso torrão natal é o nosso torrão natal. A nossa terra, por mais simples e feiosa que seja, será sempre a melhor e a mais bonita terra do mundo. Imaginem agora a minha, miradouro natural do Douro Vinhateiro, mistura deslumbrante de serra e vale, xisto e granito, videira e pinheiro, sabugueiro e urze, engaço e sargaço, papoila e rosmaninho.


TABUAÇO

Vila Concelho Rincão
Coração do pátrio Douro
Berço raiz e regaço
Minha infância dolorida
Corpo de urgueira e engaço
Alma ardente fino mosto
Maçãs vermelhas no rosto
Cabeça de pinho agreste
Cabelo verde campestre
Giesta Fieito Sargaço
Que o vento suão de Espanha
Faz bailar em corrupio
Desde a serra até ao rio
Tabuaço
Fonte de água e de luz
E sombras de serrania
Tronco de duro granito
Colo a emergir da serra
Bem recortado nos céus
Cintura e ventre de xisto
Pernas roxas de lagar
Braços de ternura e aço
Mãos de trabalho e afago
Dedos de acariciar
Neves brancas do Marão
Ventos frios de rachar
A mais dura penedia
Primavera Outono Verão
Perfume Vindima Pão
Amor Suor Alegria
Novena de reza e bruma
Senhora da Conceição
Pausa no duro cansaço
Folguedos de São João
Cisne branco preta baga
Sabugueiro branca flor
Água nascente da fraga
Que eu bebi em menino
Cepa Uva Vinho fino
Misto de mosto e suor
Tabuaço
Vida em solstício de amor

André Moa

domingo, julho 13, 2008

MIRAGEM

Miragem - (pintura de Dad)
RASGAM-SE OS CÉUS E A TERRA
DESFALECE O PRANTO EM RIO
SOSSOBRAM LUAS
E AS ÁRVORES
EM PLENA PRIMAVERA FICAM NUAS

EM SOBRESSALTO OS PÁSSAROS
PERDEM O SABER DAS ASAS
O PREGÃO DO BICO
A PROTECÇÃO DAS PENAS

A TERNURA DO AZUL DESFAZ-SE
EM BRASA

AS CASAS TRANSFORMAM-SE EM LÍQUIDAS GRUTAS
ONDE JAZ
O ETERNO OLIMPO DOS PASTORES DE SONHOS
O AMOR E A PAZ

SAUDADES DE AMADOS LÁBIOS
SOBREVOAM AS ÁGUAS
À PROCURA DE CORPOS PRESSENTIDOS
NO FULGOR DAS MARGENS
(André Moa)

quinta-feira, julho 10, 2008

O PEQUENO CAÇADOR

(a propósito de uma foto à la minuta)


“Eu de anjinho não vou mais. Nem de anjinho, nem de santo. Posso ir na procissão, mas à caçador, como o meu avô”.
Este meu propósito soou no seio da família como uma bomba, o seu quê de herético.
“Já a formiga tem catarro, ou quê”?
Mas, face à minha determinação, pelo ineditismo que isso representava, por, afinal, ser uma forma como qualquer outra de fazer parte do cortejo em louvor do santo, acabaram por achar graça à ideia.
O pior era arranjar os apetrechos apropriados para compor a personagem. Já agora, a ir, teria que me apresentar a preceito, com todos os efes-e-erres, com todos os matadores. Ora, manda o rigor que nenhum caçador se apresente em público sem arma ao ombro. Arma havia só a do meu avô que era caçador inveterado, a quem muitas vezes acompanhei nessas jornadas por várzeas e penhascos, no tempo da caça, com o cacifo do furão a tiracolo. Mas uma arma a sério, numa manifestação religiosa, se calhar, já seria impróprio, com a agravante, e este terá sido o grande argumento e motivo para a dissuasão, de que era pesada de mais para o meu corpo franzino e maior do que eu, pelo que forçosamente teria que ir ou o cano ou a coronha a arrastar constantemente pelo macadame da estrada e pelo empedrado das calçadas da vila. A questão da arma, porém, constituía um mero obstáculo a ultrapassar, nunca um impedimento e muito menos razão para que me demovessem da minha pertinácia, para não dizer obstinação ou teimosia, atributos sem dúvida menos abonatórios que o primeiro. Uma arma de pressão era mais pequena e mais leve, nada perigosa, só matava pardais, afinal um mero brinquedo, quantas vezes oferecido pelo Menino Jesus aos meninos ricos, que eu bem o sabia, e São Torquato também tinha obrigação de o saber, já que é santo. Logo, não iria zangar-se por tão pouco. E quem sabe se não acharia piada à ideia do fedelho? E que não achasse! Achava eu, e bastava. Algumas pessoas, ao saberem do meu propósito, começaram a divulgá-lo, a sustentá-lo e a tentar ajudar. A arma foi a do Alfredinho. Essa arma retenho-a eu, por certo, mais viva na memória do que o seu legítimo proprietário.
Um caçador que se preze não vai para a caça sem chapéu. E eu levava, em plena procissão, onde todos os homens descobrem a cabeça, um chapéu de aba arredondada, à São Torquato. Era outro privilégio exclusivo cá do rapaz.
O chapéu também não era meu. Se a memória não me atraiçoa, era pertença do Armandinho.
A cartucheira e os cartuchos eram do meu avô. Cartucheira e cartuchos a sério, e não a fingir. Pesados que eu sei lá!
As calças e a camisa de cotim, essas sim, seriam minhas, que de cotim andava eu quase sempre vestido.
O mesmo quanto às botas.
Nunca andei descalço. Sempre que me descalçava para correr e jogar à bola com os demais rapazes, futebolistas de pé descalço com quem brincava, ficava sempre de credo na boca. Se tal feito chegasse ao conhecimento de minha mãe, era certo e sabido, tínhamos sermão e missa cantada e um bom par de estalos, que era para aprender, e não ousar repetir a graça.
Completava a figura o cacifo do furão a tiracolo e, perna abaixo, preso na cartucheira, um senhor coelho, vítima imolada às vaidades de um pingente, para gáudio dos mirones. Acabava sempre por ser transformado num apetitoso pitéu - coelho à caçador - prato que ainda hoje aprecio, se feito à maneira antiga. Concebia-se lá um caçador a valer, sem uma peça de caça à cintura!
É a única fotografia que possuo da minha segunda infância, esta que perpetua uma triste figura de um triste rapazinho a fingir, uma vez por ano, de empertigado caçador.
Nunca tive apetência nem pontaria para atirar. Apetência e alguma pontaria sim sempre tive e continuo a ter por uma boa merenda como aquelas que se comiam na tarde da festa de São Torquato. Só de pensar nelas sinto crescer água na boca. E já lá vão sessenta anos!

terça-feira, julho 08, 2008

A HISTÓRIA DA BOINA

Blue Lady, libertando-se por uns instantes da sua refrescante esquina de ver-o-mar, ao ver a foto abaixo publicada, exclamou (devido à boina por certo): “tem um ar Basco!”.
Não sei se sim, se não, mas, a propósito, ocorreu-me contar a história da boina. Lá vai ela.
Foi um sonho meu, nos tempos de rapazinho, ter uma boina. O figurão que eu não faria se, no dia de Natal, o dia de mostrar os presentes, pudesse encaminhar-me para a missa, pela mão de meu pai, com uma boina novinha em folha, bem viradinha ao lado, à rufia, como se dizia na santa terrinha; à dandy, no linguarejar da cidade de então!
Tinha para mim que só por intermédio do Menino Jesus (o Pai Natal ainda não tinha aparecido por aquelas paragens) poderia ver o desejo satisfeito. Vá pois de suplicar, com todo o fervor e empenho, Natal após Natal, crente de que ele me ouviria e me libertaria daquela fixação. Uma boina, uma boina das largas, à homem. Mas o Menino Jesus não me deu troco. E eu a pensar que era um menino bem comportado!
Se quis uma boina, tive que comprá-la. Comprei-a, há um ano, mal me aposentei, vingando-me assim dos ouvidos de mercador, das orelhas moucas do Menino Jesus que nunca se dignou atender o meu rogo natalício, ano a ano repetido, até que me cansei de esperar pelo milagre, até me resignar. Resignei-me, mas não me conformei, nem esqueci.
Mas agora desforrei-me: de uma assentada, em vez de uma, comprei duas – uma preta; outra verde. Para aproveitar o saldo anunciado na montra. Uma pechincha! Uma por tanto, duas por pouco mais que tanto. Posso ter sido enganado pelo vendedor, mas para mim foi um ganho incalculável. Alcancei, finalmente, a prenda que o menino Jesus sempre me sonegou, e com que agora me presenteei com redobrado prazer.
A minha mãe, que na altura não pôde fazer de Menino Jesus, a apoiar, com redobrada satisfação, esta minha compra: “Fizeste bem, meu filho! Vale mais um gosto na vida do que cem escudos na algibeira”.
Gastei mais, mas ficou tudo por conta da inflação e do euro. O que contou foi ganhar ares de rufia, de dandy. No mínimo, terei ganho “um ar Basco”.
De Basco pouco terei, mas sei que o meu bisavô paterno era Asturiano. Não fica muito longe um Estado do outro.
Basca ou não, ganhei uma boina. Uma não, duas! Na onda dos saldos. Demorei, mas arrecadei. Será que me enfiaram o barrete? Quero lá saber! Fiquei tão feliz com a minha boina natalícia!

domingo, julho 06, 2008

DOURO MEU - DOURO EU

Desde a primeira infância que trago o Douro nos sentidos.
Hoje, para além de o sentir, penso-o.
Amo a região do Alto-Douro, a minha região de nascimento e eleição, com a mente e o coração. A pontos de me confundir com ela. Transporto na memória as suas paisagens que me enchem os olhos corporais, quando presente, e os olhos da alma, sempre que estou longe. Os cheiros e os sabores que me arrebatam são os seus cheiros, os seus sabores que eu bebi com o leite materno e que em mim se impregnaram para todo o sempre. É o cheiro a mosto e rosmaninho; o odor da flor da laranjeira e do sabugueiro, é a bola de carne e o folar, o bolo-rei e o cabrito assado. E o bom vinho, seja o de mesa, seja o tratado, o vinho fino made in Alto-Douro, the genuine-port-wine.
Nunca vou a Tabuaço, ao meu rincão natal, concelho românico e romântico do Douro, sem que me debruce sobre alguns dos muitos mirantes para deles poder contemplar e desfrutar a sublime paisagem polvilhada de mil matizes, de contrastes, de sol e sombra, de montes e vales, de agressividade e doçura.
E quando o coração sente, a mente reflecte, a imaginação recria.

DOURO MEU – DOURO EU

Vale altaneiro
Rio profundo
Curvas e montes
Sulcos e seios
Redondos mundos
Mil horizontes
Másculo porte
Suave enleio
Vinhas mortórios
Várzeas e veios
Fragas e fontes
Andrógina visão
Hermafrodita imagem
Pedúnculo folha e flor
Pétala, cálice e corola
Androceu e gineceu

Na serra paridos
Ribeiros de encosta
Desejos de mar
Em mim te sei
Em ti me sei
Retorcida cepa
Dengosa parra
Dúctil vide
Árdua vida
Braços flácidos
Frágeis gavinhas
Frutos dourados
Suor e canto
Sorriso e pranto
Bagas e bagos
Duro corpo
Alegre rosto
Afrodisíaco mosto

Douro meu
Douro eu
Corpo e alma
Labor e calma
Frenético ritmo
Suspenso grito
Eterno mito

(André Moa)

QUE FALTA DE ENERGIA!

Há tempos, segui, pela rádio, o debate na Assembleia da República entre o governo e a oposição sobre o candente tema das energias.
O primeiro-ministro sumariou o que o governo já realizou e o que se propõe ainda lançar no campo das novas energias.
Ao longo do debate, foi desafiando os partidos da oposição a apresentarem os seus planos energéticos.

Nem uma achega.

No mínimo, dois terços das intervenções dirigiram-se para outros campos, que não o que estava em discussão. E a ínfima parte que pode considerar-se dentro do tema, não passou de perguntas de algibeira, de pormenor, nitidamente tendentes a “entalar” o governo. Sem o conseguir, diga-se. Nem uma crítica ao plano apresentado, muito menos uma proposta alternativa.
Fiquei sem saber se o plano governamental é bom ou mau, mas, dado o silêncio generalizado da oposição, posso ser levado a concluir que não deve ser mau, que deve ser muito bom, já que é aceite por todo o hemiciclo parlamentar. Não é o povo que nos ensina a pensar que “quem cala consente”?
Será correcta esta minha interpretação? Desconfio que não. Mas, se não é, a alternativa que resta será considerar toda a oposição uma pobreza franciscana, pelo menos em matéria de energia. Mas isto não me tranquiliza nem agrada. E pergunto-me:

tanta pobreza significará falta de bestunto ou de energia?
(André Moa)

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terça-feira, julho 01, 2008

(Pintura de – DAD)

SINAIS DE VIDA E MORTE

Que rio é este que emerge
Do íntimo da terra
E se ergue em socalcos de espanto?
Que rio é este onde o azul
Lúcido e transparente se incendeia
Em vermelhos de dor e aflição?
Que barcos de presságio o atravessam
Como se fossem ilhas flutuantes
Pontes em construção
A ligar para todo o sempre
O caos e a perfeição?
Que rio é este manso e promissor
Que se alimenta de sangue e de suor?
Que rio é este que me faz
Escravo
E me chama de senhor?
Que rio é este que me dá alento
Se nele me afundo?
Que rio é este que nasce e morre em mim
E é maior que o mundo?

(André Moa)


Xisto

Um micaxisto

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