o meu email: andremoa60@gmail.com

OLHAR DE XISTO

Um olhar terno mas atento e preocupado de um filho de Tabuaço sobre a vida nesta terra e de todos os que aqui vivem, de todos os presentes e os ausentes que, mesmo à distância, a amam.

sexta-feira, maio 30, 2008

A LEI DO TABACO

Grafiteiros de Viseu em acção
Foto de Arlindo de Sousa
Era previsível que os fumadores inveterados, nomeadamente os conhecidos do grande público, fossem reagir emotiva e irracionalmente à lei do tabaco, quanto mais não seja para tentar lavar a própria testada de pessoa viciada.
Mesmo assim, nunca pensei que pudesse atingir o baixo nível intelectual manifestado por uma professora universitária de história, aduzindo argumentos totalmente egoístas, irracionais, emocionalmente primários. Mais parecia uma possessa. Uma possessa do demónio. Uma possessa, sem dúvida, do demónio chamado tabaco. Eu passei por isso e conheço as artimanhas que esse mafarrico inventa e utiliza para nos amarrar, para a ele nos manter sujeitos. Felizmente, consegui libertar-me a tempo e horas desse tirano.
Defendeu ela que estava a ser esbulhada da sua liberdade, do direito de fumar, já que, não sendo crime, fumar constituía um direito. E que atrás deste corte da liberdade viriam outros cortes doutras liberdades.
Que exagero! Que falta de senso! A única desculpa, a meu ver, para uma argumentação destas, só a encontro na obnubilação pela droga, na terrível dependência do vício de fumar que leva gente com responsabilidades acrescidas, a portar-se como um coitadinho, um mentecapto, incapaz de raciocinar, levado a deturpar a realidade sob a acção da droga cujo consumo defende tão acesa e disparatadamente.
Por mim, contra argumento da seguinte forma:
Primeiro – esta lei não proíbe fumar. Continua, portanto, cara professora, com todo o direito de fumar, de se intoxicar. Mas não confunda esse direito com o direito de intoxicar os outros, de atentar contra a saúde pública.
Segundo – Também não confunda a sua liberdade, o seu direito de fumar, com o direito de atentar contra a liberdade dos outros, contra o direito que todos têm à vida, a uma vida saudável.
Terceiro – Com esta lei (e outras, já em vigor há anos, como, por exemplo a que proíbe fumar nos transportes públicos) fumar não constituirá crime, mas, em certos casos, constitui uma infracção, uma contravenção, ficando os infractores sujeitos a determinadas sanções. E isto porquê? Por sádica prepotência em coarctar a liberdade dos toxicodependentes do tabaco ou para salvaguarda da sacratíssima liberdade, dos primordiais direitos de todo e qualquer cidadão: o direito à vida, o direito à saúde, como forma de manter o direito à vida?
Não será preciso ser muito altruísta para se aferir daqui uma escala de valores, francamente a pender para o lado dos não fumadores. Bastará não pensar tão egocentricamente e esforçar-se por ver lucidamente por entre a cortina de fumo com que o tabaco envolve a mente dos nicotinodependentes.

André Moa

quarta-feira, maio 28, 2008

Tabuaço visto do Miradouro de Mexiães
foto de José Guilherme
DAS ORIGENS, DAS RAIZES

Ama-se a nossa terra, não tanto pelo que nos dá, mas pelo que nos diz.
Tabuaço, o concelho de Tabuaço, a minha terra, tinha filhos a mais para as possibilidades que podia oferecer, e eram bem poucas
A nossa terra natal, o nosso berço, mais do que árvore é raiz. Daí que mesmo aqueles que, como eu, arrancados ao viveiro, tiveram que se fazer árvore e dar frutos noutras paragens, sempre que podem e as circunstâncias lho permitem, regressam, visitam-na, ainda que esporadicamente, pois que as raízes, essas, independentemente da copa se erguer noutros jardins, anseiam e suspiram toda a vida pelo canteiro em que nasceram.

DAS ORIGENS
BARCOS

Ó vila de Barcos,
Quem te desvilou
Quem minhas raízes
De ti arrancou
Foi a vida
Com os seus matizes
Meus avós maternos
Nasceram de ti
Guilherme Macedo
Que tanto estremeço
Mas não conheci
Minha avó Justina
Viúva menina
A quem nunca esqueço
Nem um retratinho
Para te conhecer
Meu avô materno
Mesmo à lá minuta
Pela Santa Eufémia
Festa da canalha
No Senhor do Calvário
Na Senhora do Sabroso
Na praça ou no adro
Da igreja de Barcos
De ti sei apenas
A fama e o proveito
De namoradeiro
Até que casaste
Com a avó Justina
De três a escolhida
Nas artes do amor
Com ela migraste
Assim te tornaste
Gabado feitor
Até que paraste
Para sempre paraste
Em Barcos nasceram
Em Carrazedo morreram
Minha avó de velha
Meu avô de novo
Envolto em mistério

Era uma vez um avô mítico
Era uma vez

TÁVORA

Sou de Távora sim senhor
Sou de Távora por amor
Dizia o meu bisavô
Nascido lá nas alturas
Das cantábricas Astúrias

Por que artes por que fúrias
Que ventos lhe deram asas
E o trouxeram de tão longe
Até em Távora pousar

Mistério por desvendar

Sou de Távora sim senhor
Ali nasci e cresci
Dizia o avô José
Em Tabuaço casou
Teve filhos lá sofreu
Em Tabuaço viveu
Uma honrada e longa vida
Laboriosa e dorida

Que porte o seu que figura
A do meu avô paterno
Que relembro com saudade
E amor eterno

CARRAZEDO
1
Em Carrazedo nascida
Cedo migrou minha mãe
Órfã de berço para a Vila
Embrulhada num casaco
Para não estranhar o frio
O do Alto da Escrita
E o da infantil desdita
Para conseguir suportar
O duro da caminhada
Entre lobos e geada

Em Tabuaço cresceu
Na Vila se fez mulher
Casou amou e sofreu
A sua pesada cruz
Cinco vezes deu à luz
E o primeiro fui eu


CARRAZEDO
2
Em Carrazedo fui rei
Nas férias que lá passei
Com avó tios e primos
Muito pulámos e rimos
Há quantos anos já foi
Só pensar nisso me dói
O tamanho da distância
Que vai de mim à infância

TABUAÇO

Em Tabuaço nasci
Em Tabuaço nasceram
Avó Teresa pai irmãos
Em Tabuaço cresci
Tabuaço me fez gente
Era já adolescente
Quando para Angola emigrei
“Malhas que o império tece!”
Mas sinto que sempre amei
A minha Terra primeira
O berço nunca se esquece.

André Moa

sábado, maio 24, 2008

Tabuaço - Ribeiro da Moa - foto de Osvaldo Ribeiro.
O POVO NÃO SE RENEGA, REGA-SE

O título e a súmula desta pequena crónica surgiram de uma breve conversa (com um amigo e conterrâneo há muito radicado na Suiça, onde, como alto funcionário do Ministério da Cultura tem envidado enormes esforços, nem sempre bem compreendidos e bem aceites nestas fragosas e lusitânicas bandas, em prol do nosso património cultural, junto das entidades helvéticas) sobre as origens, as raízes, o povo a que ambos pertencemos.
A seguir à revolução dos cravos, muito burguesinho arrogante bradava impante:” eu sou povo; se isto não é povo, onde é que está o povo? Povo somos todos nós”.
Para os que pretendem impor-se no mundo pantanoso da política, o povo é endeusado no período da caça aos votos e esquecido, vilipendiado, achincalhado no resto do tempo.
O povo que me interessa, me diz respeito e que eu respeito é o povo-raiz, o povo de que brotei, o povo a que pertenço, o povo a que não pretendo nunca renegar, antes tudo farei para regar, alimentar com o meu ser, o meu saber, o meu estar e permanecer nele, por ele e com ele, sem nada esperar em troca, a não ser a satisfação do dever cumprido e de nele me rever mais e mais e melhor.
O povo é o espelho onde todos se reflectem, em corpo perfeito ou distorcido, dependendo do estado de alma com que cada um nele se mira e perante ele se comporta.
Renegando o povo é a nós próprios que estamos a renegar. Regando o povo-raiz onde entroncamos e de que somos parte integrante, é a nós próprios que regamos, é a nós próprios que estamos a ajudar a crescer, é a nós próprios que estamos a enaltecer, a cultivar.
“Quem tiver ouvidos que ouça”.


TOADA DE TABUAÇO

Nos tempos em que eu nasci
Tabuaço era um filão
De sonhos e de aflição
Para quem nele vivia
Entre penhascos e vinhas
Pinheiros granito e xisto
Nasciam cresciam morriam
Muitas Marias doridas
E os seus amados Cristos
Condenados a sofrer
O jugo de cruz pesada
Trabalhos de sol a sol
Pouca terra pouco pão
Duro colchão sem lençol
Para cobrir as misérias
Nocturnas envergonhadas
Silenciosas e sérias
Dos corpos a suplicar
Alguma vida e prazer
Antes que chegasse a morte
Eram vidas do diabo
Vidas de bem pouca sorte
Que só o ópio de Baco
Conseguia amenizar
Tantos dias de canseira
A implorar algum descanso
Uma ou outra bebedeira
Para a gente rir e chorar
Qualquer pretexto servia
Baptizado ou romaria
Para se fugir ao cansaço
Era assim o ambiente
O dia-a-dia da gente
Das terras de Tabuaço
Vinham as cavas da vinha
A poda dos olivais
O semear das batatas
A ceifa dos cereais
As malhadas as vindimas
As merendas os serões
Vinham a apanha da azeitona
Que dá azeite e bagaço
Os Invernos rigorosos
Os escaldantes verões
Os costumados esforços
Próprios das quatro estações
Era o frio e o suor
Era a tristeza e a dor
Quaresma santo sudário
Carnaval Páscoa Calvário
Sábado da aleluia
Procissão de São Torcato
Ressumbros de alegria
Pelo solstício do estio
Rebenta a grande folia
Das festas do São João
É a grande reinação
Dos corpos em pleno cio
Novenas de nevoeiro
Senhora da Conceição
Remissão do ano inteiro
Recolhida procissão
Padroeira Protectora
Remédio para todo o mal
Virgem mãe linda senhora
Ides vós chega o Natal
Ano novo vida nova
Tudo começa de novo
Vai do berço até à cova
Este fadário do povo
Sangue suor vinho fino
Alegria dor cansaço
Meu retrato de menino
Das Terras de Tabuaço
Este o berço esta a raiz
Que eu invoco sem desdouro
A quem quero sempre quis
Como se quer a um tesouro
Tabuaço Berço meu
Rio meu Meu Pátrio Douro

André Moa

domingo, maio 18, 2008

DOIS PARAÍSOS TERREAIS

Se nos abstrairmos do rebombar do tráfego rodoviário que nos massacra os ouvidos, Monsanto apela-nos instantemente a visitá-lo, a fruirmos os seus belos recantos. Multiplica-se em caminhos e carreiros a sugerirem umas boas caminhadas.
Se vamos sós, enquanto exercitamos o corpo, o espírito eleva-se até aos cumes da poesia ou mergulha na mais profunda reflexão. Se acompanhados, comungamos a exaltação dos pássaros, o perfume das flores, o deslumbramento da paisagem e das cores.
Vivendo como vivo relativamente perto (dez minutos de carro, meia hora a butes) constituiria um crime, agora que estou aposentado, não calcorrear este parque tão pródigo em labirínticos percursos que se estendem por entre os mil verdes de árvores e arbustos que o compõem. Refrigério para os males do corpo e do espírito, Monsanto já se transformou num hábito em que me embrenho três vezes por semana e por ali deambulo durante duas a três horas de cada vez.
Hoje foi um desses dias. Saí de casa às dez horas da matina. Meia hora depois já a copa de cedros e eucaliptos transformavam o chão térreo em mosaico listrado de sol e sombra. Os perfumes de Outono, deste Outono ameno e solarengo, inebriam.
De repente, dou por mim debaixo de um medronheiro com alguns frutos maduros, pendentes de ramos ao alcance do meu braço
Não resisti à tentação de furtar dois daqueles rubis escarlates que me souberam à doce transgressão que experimentaram Adão e Eva ao ousarem provar o fruto da árvore da ciência.
Há quantos anos não saboreava medronhos!
Dois pequenos medronhos bastaram para que eu recuasse sessenta anos no tempo, transpusesse num instante perto de quatrocentos quilómetros e me visse encavalitado num galho do medronheiro que deitava para o caminho da eira, no limite sul do pequeno monte conhecido por Calvário ou Santa Bárbara, (hoje com a designação oficial de Parque Abel Botelho) local igualmente paradisíaco, recanto sagrado da minha terra natal, onde aprendi a apreciar a natureza e as belas paisagens durienses. Esta colina é um altar sagrado desde tempos imemoriais. Ainda hoje se podem contemplar, entre a relva, duas pequenas fragas sulcadas de regos e poças sacrificiais que os entendidos dizem pertencer à idade do ferro.
Num ápice, saltitei de um paraíso para o outro. Do parque de Monsanto, o pulmão de Lisboa, o paraíso da minha senectude, para o parque Abel Botelho, a colina de Santa Bárbara, o Calvário, o paraíso da minha infância, miradouro esplendoroso sito na Vila de Tabuaço, sede desse Concelho Românico e Romântico do Alto-Douro.
André Moa

A DUAS DIMENSÕES

Tem duas dimensões
O Douro
Um peso corporal
Um gesto de asa

Nudez pendente
Pureza à solta
Líquido tesouro
Rio mar de gente
Que vai e não volta

Morte adiada
Suada lida
Sorte pisada
No lagar da Vida

Rio e mar
Mosto e vaga
Líquido deserto
Sol e fraga

Corpo desperto
Disposto a amar
O tudo e o nada

Inferno e céu
Transparência e véu
Sombria existência
Luminosa Essência

André Moa

Xisto

Um micaxisto

Powered by Blogger

Subscrever
Mensagens [Atom]